«Oh, eu? A Catarina é que gira.»
E riu-se para mim. E eu fiquei mesmo encabulada até o rapaz responder:
«É mesmo. Linda como o sol....»
*pausa. o meu coração acelera.*
«...nem se consegue olhar de frente! hahahahahaha»
Sinceramente, já não me lembro como reagi, mas lembro-me de chegar a casa trístissima e de nesse dia decidir que no ano seguinte ia mudar de escola.
Desde aí sempre me senti nas sombras dos meus amigos. Quando saía com uma das minhas primas mais velhas, todos olhavam só para ela. Ou quando saía com a minha madrinha, todos brincavam com o facto de eu ser roliça. Pode não parecer, mas isto sempre me tornou insegura. Pelo menos, a nível emocional, porque é como li algures numa crónica das revistas do JN, eu acabo sempre por ser a gordinha, a amiga engraçada de todas as ocasiões, aquela que quando está entre os amigos transparece que está sempre tudo bem, mas que na realidade, quando chega a casa...nada está como poderia estar.
O meu coração torceu-se, novamente hoje, quando, no Sombras, as palavras da Emília Silvestre rimbombaram:
"Desculpe escrever-lhe tanto sem o conhecer, mas o senhor não vai ler isto, e mesmo que lesse nem sabia que era consigo e não ligava importância em qualquer caso, mas gostaria que pensasse que é triste ser marreca e viver sempre só à janela, e ter mãe e irmãs que gostam da gente mas sem ninguém que goste de nós, porque tudo isso é natural e é a família, e o que faltava é que nem isso houvesse para uma boneca com ossos às avessas como eu sou, como eu já ouvi dizer. (...) Mas eu não consigo nada do que quero, nasci já assim (...) o senhor que anda de um lado para o outro não calcula qual é o peso de a gente não ser ninguém(...)"
Carta da Corcunda para o Serralheiro, Fernando Pessoa