domingo, 20 de julho de 2008

" Dói Ser Platónov "

Fui ver a peça hoje (dia 20 de Julho) e levava na carteira, em jeito de bagagem, as mais variadas expectativas: li e pesquisei bastante pensando que estava pronta para ser surpreendida numa tarde de Verão.
A verdade é que isso aconteceu de facto: agora ao reler muitas das coisas que encontrei, estas fazem ainda mais sentido. Vivi a peça e isso faz com que, em parte, a compreenda.

Inicialmente existe no ar um sarcasmo e humor acutilantes e tumultuosos.
Platónov é a personagem principal de uma peça que gira em torno dele mesmo: todos o amam, mas ele ama ninguém. É o exemplo perfeito de uma frase que pode soar mais ou menos assim: “ O mundo pode amar-me, mas eu não tenho que amar o mundo!”As mulheres caem todas as seus pés, o que vai alimentando o ego a Platónov mas, ao mesmo tempo que encarna um D.Juan, leva as mulheres à humilhação, subjugando-as.

A sua relação com as personagens masculinas é uma antítese da anterior: os homens não admiram Platónov, alguns dizem aliás que nem arte para ser professor ele possui. Envolve-se em confrontos com um jovem que se recusa a ser ambicioso, colide em frente a todos contra um velho que tem coragem de o pôr em causa e trai a confiança do único rapaz que o admirava.
Ao longo da peça as restantes personagem vão evoluindo e confluindo para Platónov, com quem estão ligadas desde o princípio.

De facto, a peça move-se em torno desta personagem: uma personagem perturbada e atormentada.
Quando a peça chegou ao fim repensei no conceito que tinha deixado no post anterior: a questão paternal.
Ao longo da peça as referências ao pai são poucas, mas é ao desconstruir a personagem de Platónov que atingimos o ponto fulcral da peça.
Esta personagem é congestionada pelo facto de ter sido abandonado: é por isso, na minha opinião, que é um homem perturbador, indeciso, inseguro. A certa altura da peça as palavras ‘sacana egocêntrico’ saltaram-me à mente, pois é mesmo isso que penso que Platónov aceita ser.

Não tem qualquer respeito pelas mulheres: envolve-as num jogo sujo de paixão e quando elas pensam que ele também as ama, Platónov muda o seu discurso trazendo à tona, de novo, as suas divagações ou, até, exigências(!).
Existe na peça uma grande carga emocional governada por ambiente soturno que gira em torno de Platónov: existem alturas em que o estranhamento nos revolve e parece correr-nos no sangue. Deixamos de estar à vontade com Platónov, mas ele suga-nos a atenção cada vez mais e mais.

No entanto e apesar de toda a ‘negatividade’ que sei que tenho vindo a escrever, existe também paixão, e não é uma paixão qualquer, mas sim daquelas em que a chama de uma lamparina arde a noite toda. Pedaços cómicos também medeiam o estoicismo que vai no ar e liberta-nos um pouco.

Superou as minhas expectativas e ainda bem que assim foi: saí da sala de teatro com uma mente mais viva e à solta procurando palavras para descrever e desmontar os pedaços mais suculentos da peça. É imperfeita, de facto, mas é essa imperfeição que aperfeiçoa a peça – as restantes personagens dão vida à peça, não a deixam colar ao estigma criado por Platónov que deseja a morte, ao mesmo tempo que a evita.
É por isso que dói ser Platónov: é como estar a viver uma vida perdida em que ninguém nos ajuda – porque não queremos ajuda ou porque a desilusão é tanta que já ninguém está connosco e Platónov erra desta forma.

Foram quatro horas nada aborrecidas ou pesadas: vivi a peça como se de uma personagem me tratasse.
Recomendo vivamente para uma tarde ou noite que se querem bem passadas.

Os meus Parabéns ao Encenador Nuno Cardoso e à equipa de Actores! =)

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