No espaço de três semanas assisti a duas peças de David Harrower aqui no Porto, mas se já conhecia o Facas nas Galinhas, Blackbird foi para mim uma surpresa.
Se no Facas estamos perante um cenário mais rural e em que outros temas são abordados (o analfabetismo, a posição da mulher na sociedade, por exemplo), Blackbird transportar-nos para uma situação mais contemporânea, em que o tema da pedofilia é, atrevo-me a escrever, o "pão nosso de cada dia".
Seria de esperar que talvez a encenação da peça fosse ser um pouco pesada, obscura, algo que levasse o espectador a ter de enfrentar o tema sem poder sair da sala, mas não. E um tic-tac contínuo não faz este efeito, irrita uma pessoa.
Não digo que a peça me tenha desiludido, prefiro dizer que o tratamento das personagens o fez. O cenário estava muito bem enquadrado relativamente ao texto, isto é, correspondia efectivamente ao que tinha imaginado.
Por falar em imaginação...As personagens: se por um lado tinha imaginado uma Una abatida e perturbada, apareceu uma Una infantil com uma linguagem corporal muito dada ao gozo. Percebe-se perfeitamente a ideia que o encenador pretende dar à personagem, aliás, até me surpreendeu porque quando li pela primeira vez, nem dei essa face à personagem. Claro que o abuso que sofreu a modifica, mas tendemos sempre a pensar num cenário mais negro, e não tanto na ideia de que Una ficou tão afectada, que enfrentava aquele duelo como se fosse um jogo. Quanto a Ray confesso que também o imaginei com um porte mais altivo ou, pelo menos, menos afectado do que me pareceu.
Overall a peça não peca por estas mínimas observações, mas ficou, contudo, aquém das expectativas que tinha criado. Pensei que me fosse afectar mais, até porque o texto teve esse mesmo efeito.
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